Reconhecer a autoria do crime é atitude de especial relevância
para o Judiciário. O réu pode contar com a atenuante da pena e colaborar com as
investigações em curso. Pode contribuir ainda com um julgamento mais célere e
com a verdade dos fatos. Mas em que circunstâncias a admissão do crime implica
realmente benefício para o culpado e qual a posição do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) sobre o assunto?
O artigo 65, inciso III, alínea d, do
Código Penal dispõe que a
confissão espontânea de autoria do crime é circunstância que atenua a pena.
Assim, aqueles que, em tese, admitirem a autoria do fato em presença de uma
autoridade terá como prêmio uma pena mais branda. O primeiro elemento exigido
pela lei, então, é a confissão ser voluntária; a segunda é que seja em presença
de autoridade.
A autoridade pode ser tanto o delegado de polícia, o
magistrado ou o representante do Ministério Público. É entendimento do STJ que
não cabe ao magistrado fazer especulações sobre os motivos que conduziram o réu
a admitir a culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão, prevista no texto da
lei, é de caráter meramente objetivo. Isso significa que o acusado não precisa
apresentar motivação específica ou qualquer outro requisito subjetivo para sua
caracterização (HC 129.278).
Arrependimento
O STJ entende
que pouco importa o arrependimento ou a existência de interesse pessoal do réu
ao admitir a culpa. A atenuante tem função objetiva e pragmática de colaborar
com a verdade, facilitando a atuação do Poder Judiciário. “A confissão
espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a
motivos ou circunstâncias que a determinaram,” assinalou o ministro Paulo
Gallotti, ao apreciar um habeas corpus de Mato Grosso do Sul (HC 22.927).
É entendimento também do STJ de que não importa se o réu assumiu parcial
ou totalmente o crime ou mesmo se houve retratação posterior. “Se a confissão na
fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto
condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III,
alínea d, do CP”, assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC
186.375).
“A confissão, realizada diante de autoridade policial quanto a
um delito de roubo, mesmo que posteriormente retratada em juízo, é suficiente
para incidir a atenuante quando expressamente utilizada para a formação do
convencimento do julgador”, assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado.
Segundo ele, pouco importa se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou
não, integral ou parcial (HC 217.687).
Os magistrados entendem que a lei
não faz ressalva em relação à maneira como o agente pronunciou a confissão. A
única exigência legal, segundo a Corte, é que essa atenuante seja levada em
consideração pelo magistrado quando da fixação da pena (HC 479.50). Mesmo
havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o magistrado usar da confissão
retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, essa
circunstância deve ser levada em consideração no momento da dosimetria da pena
(HC 107.310).
Confissão qualificada
O STJ tem se
posicionado no sentido de que não cabe a atenuante em casos de confissão
qualificada – aquela em que o acusado admite a autoria, mas alega ter sido
acobertado por causa excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar o
crime, mas alegar que agiu em legítima defesa.
Isso porque, segundo uma
decisão da Sexta Turma, nesses casos, o acusado não estaria propriamente
colaborando para a elucidação do crime, mas agindo no exercício de autodefesa
(REsp 999.783).
Na análise de um habeas corpus oriundo do Rio Grande do
Sul, a Quinta Turma reiterou o entendimento de que a confissão qualificada não
acarreta o reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou em policiais
quando da ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando legítima defesa (HC
129.278).
“A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão
teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o
reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do
Código Penal”, sustentou a ministra Laurita Vaz, na ocasião do julgamento. A
versão dos fatos apresentada pelo réu não foi utilizada para embasar sua
condenação.
Personalidade do réu
A atenuante da
confissão, segundo decisões de alguns ministros, tem estreita relação com a
personalidade do agente. Aquele que assume o erro praticado, de forma espontânea
– ou a autoria de crime que era ignorado ou atribuído a outro – denota possuir
sentimentos morais que o diferenciam dos demais.
É no que acredita a
desembargadora Jane Silva, que atuou em Turma criminal no STJ, defendendo a
seguinte posição: “Penso que aquele que confessa o crime tem um atributo
especial na sua personalidade”, defendeu ela, “pois ou quer evitar que um
inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu sinceramente”. E,
mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu merece atenuação da
pena, pois reconhece a ação da Justiça – “à qual se sujeita”, colaborando com
ela.
A desembargadora definiu a personalidade como conjunto de atributos
que cada indivíduo tem e desenvolve ao longo da vida até atingir a maturidade;
diferentemente do caráter, que, segundo ela, é mutável. Dessa forma, o réu que
confessa espontaneamente o crime "revela uma personalidade tendente à
ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos,
ainda que tal confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra
capaz de assumir as consequências que o ato criminoso gerou, facilitando a
execução da pena que lhe é imposta” (REsp 1.012.187).
Reincidência
No Brasil, conforme previsão do artigo 68 do
Código Penal, o juiz, no momento de estabelecer a pena de prisão, adota o
chamado sistema trifásico, em que primeiro define a pena-base (com fundamento
nos dados elementares do artigo 59: culpabilidade, antecedentes, motivação,
consequências etc.), depois faz incidir as circunstâncias agravantes e
atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva em conta as causas de aumento
ou de diminuição da pena.
A Terceira Seção decidiu em maio do ano
passado, por maioria de votos, que, na dosimetria da pena, devem ser compensadas
a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, por serem
igualmente preponderantes. A questão consistia em definir se a agravante da
reincidência teria maior relevo ou se equivalia à atenuante da confissão. A
solução foi dada com o voto de desempate da ministra Maria Thereza de Assis
Moura (EREsp 1.154.752)
Segundo explicação do desembargador convocado
Adilson Macabu, proferida no curso do julgamento, o artigo 65 do Código Penal
prevê as circunstâncias favoráveis que sempre atenuam a pena, sem qualquer
ressalva, e, em seguida, o artigo 67 determina uma agravante que prepondera
sobre as atenuantes. Os ministros consideraram na ocasião do julgamento da
Terceira Seção que, se a reincidência sempre preponderasse sobre a confissão,
seria mais vantajoso ao acusado não confessar o crime e, portanto, não auxiliar
a Justiça.
O entendimento consolidado na ocasião é que a confissão
revela traço da personalidade do agente, indicando o seu arrependimento e o
desejo de emenda. Assim, nos termos do artigo 67 do CP, o peso entre a confissão
– que diz respeito à personalidade do agente – e a reincidência – expressamente
prevista no referido artigo como circunstância preponderante – deve ser o mesmo.
Daí a possibilidade de compensação.
Autoincriminação
No
julgamento de um habeas corpus em que aplicou a tese firmada pela Terceira
Seção, o desembargador Adilson Macabu considerou que a confissão acarreta
“economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam
ser considerados desnecessários ao deslinde da questão”. Também acrescentou que
ela acarreta segurança material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a
condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada
inexoravelmente pelo processo (HC 194.189).
O magistrado destacou que a
escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra sua abdicação da proteção
constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse processual e
criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio e o
direito de não se autoincriminar. “Por isso deve ser devidamente valorada e
premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de suas
responsabilidades penais”, concluiu Macabu.
Condenação
anterior
No julgamento de um habeas corpus, contudo, a Quinta Turma
do STJ adotou o entendimento de que, constatado que o réu possui condenação
anterior por idêntico delito, geradora de reincidência, e que há uma segunda
agravante reconhecida em seu desfavor (no caso, crime cometido contra maior de
60 anos), não há constrangimento ilegal na negativa de compensação das
circunstâncias legais agravadoras com a atenuante da confissão espontânea (HC
183.791).
Sobre o tema, o STJ tem entendimento de que a atenuante da
confissão espontânea não reduz pena definida no mínimo legal, nem mesmo que seja
de forma provisória. A matéria se enquadra na Súmula 231, do STJ.
Flagrante
Em relação à atenuante quando da ocorrência da
prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos que possam
antecipadamente comprovar a autoria, as Turmas criminais do STJ entendem que “a
prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente para afastar
a incidência da confissão espontânea”. Com isso, foi reformada a decisão
proferida pela instância inferior (HC 68.010).
Em um caso analisado pelo
STJ, um réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de cocaína e o Tribunal de
Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), na análise de fixação da pena, não
considerou a atenuante da confissão espontânea, ao argumento de que o réu foi
preso em flagrante (REsp 816.375).
Em outra decisão, sobre o mesmo tema,
a Quinta Turma reiterou a posição de que “a confissão espontânea configura-se
tão somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do delito, pouco
importando se o conjunto probatório é suficiente para demonstrá-la ou que o réu
tenha se arrependido da infração que praticou” (HC 31.175).
Processos:
HC 129278, HC 22927, HC 186375, HC 217687, HC 107310, REsp 999783
HC 129278,
REsp 1012187, EREsp 1154752, HC 194189, HC 183791, HC 68010, HC
31175
Fonte: Superior Tribunal de Justiça