Da BBC Brasil em São Paulo
Atualizado em 19 de maio,
2014 - 05:51 (Brasília) 08:51 GMT
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Para quem acompanha o que acontece no Brasil pela imprensa
internacional, a sensação dos últimos meses pode ser a de que a sorte conspira
contra o país às vésperas da Copa do Mundo.
Seria de se esperar que as notícias sobre os atrasos nas obras do Mundial ou
os protestos anti-Copa fossem rodar o globo, mas recentemente tornou-se comum
ler nos jornais de Londres, Madri ou Nova York sobre mazelas brasileiras que
antes passariam desapercebidas aos olhos estrangeiros – de conflitos nas favelas
do Rio ao surto de dengue no Nordeste; das denúncias de obras superfaturadas nos
rincões do país ao risco de falta d'água em São Paulo.
"Agora quase todos os dias tem matéria sobre o Brasil nos jornais daqui – e
realmente chama a atenção o fato de a grande maioria delas ser negativa", diz
Daniel Buarque, jornalista e autor do livro Brazil, um país do presente: A
imagem internacional do "país do futuro" (Ed. Alameda), que está na
Grã-Bretanha pesquisando sobre a cobertura internacional da Copa.
Recentemente, o Financial Times comparou a presidente Dilma Rousseff
ao grupo de comediantes irmãos Marx; a revista Economist sugeriu que o
problema da falta de crescimento da produtividade no Brasil teria causas
culturais e o New York Times (NYT) destacou a grande quantidade de
obras abandonadas e superfaturadas no país.
Fora do campo econômico, o espanhol El País anunciou que o Brasil
estaria vivendo uma "crise de segurança" e o tabloide britânico Daily
Mirror definiu Manaus como "um buraco dos infernos tomado pelo crime".
Certamente, também há exemplos de reportagens positivas, mas é difícil
ignorar que o tom geral da cobertura está mais desfavorável ao Brasil, da mesma
forma que há apenas três anos o entusiasmo com o país era evidente.
'Perdeu a chance'
Para Simon Anholt, especialista em imagem-país que faz um ranking das nações
mais populares do mundo, o Brasil perdeu a chance de aproveitar os holofotes da
Copa para projetar seriedade e competência, fortalecendo sua reputação na área
econômica.
"Ao que tudo indica, o país não conseguiu agarrar essa oportunidade e deve
continuar a ser o país da festa, carnaval e futebol. Um país que as pessoas veem
com simpatia, mas que ninguém leva muito a sério", diz Anholt, informando que a
pontuação do Brasil em sua pesquisa caiu em 2013 pelo segundo ano consecutivo,
de 57,86, para 57,67 (de um total de 70 pontos).
"É claro que fatos negativos viram notícia, antes de tudo, porque fatos
negativos estão acontecendo - e em um momento em que muitos jornalistas foram
deslocados para o Brasil para cobrir a Copa", diz Buarque.
Ele nota, porém, que, há alguns anos, quando o tom da cobertura sobre o
Brasil era "quase eufórico", os problemas estruturais do país eram os
mesmos.
"Os jornais e TVs oferecem a seu público uma história simples, não uma
realidade complexa e multifacetada, o que pode levar a exageros", afirma Peter
Hakim, especialista em assuntos latino-americanos do Inter-American
Dialogue.
"As pessoas querem saber se a situação está melhorando ou piorando em
determinado país e no Brasil há algum tempo temos uma tendência geral de
deterioração do cenário econômico e político."
Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, a grande quantidade de notícias
negativas sobre o país deve-se a uma combinação de pelo menos quatro fatores,
listados abaixo.
Quatro razões da 'negatividade' da imprensa
"Para começar, é comum que antes de uma Copa ou Olimpíada haja ansiedade
sobre as preparações e ritmo das obras", afirma Richard Lapper, chefe do FT
Confidential, o serviço de pesquisas sobre mercados emergentes do Financial
Times.
"O mesmo aconteceu na Grécia e África do Sul", lembra.
Simon Anholt concorda com a avaliação: "Sempre temos as mesmas histórias:
'eles não vão ficar prontos a tempo, isso não vai funcionar'".
No caso do Brasil, porém, os especialistas concordam que a quantidade e grau
de atraso nas obras de infraestrutura ligadas ao Mundial e Olimpíadas de fato
dão material de sobra para manchetes de jornais locais e estrangeiros, como
destaca Peter Hakim.
Para Richard Lapper, essa apreensão com os atrasos nas obras da Copa soma-se
ao desapontamento gerado pelas promessas não cumpridas do governo brasileiro de
fazer o país dar um salto de desenvolvimento de infraestrutura.
"Autoridades brasileiras fizeram uma série de roadshows pelo globo prometendo
deslanchar projetos grandiosos, como uma rede de ferrovias e o trem bala",
lembra.
"A Copa seria apenas uma das vitrines desse salto de infraestrutura, mas boa
parte desses projetos ficou só no papel. Imagine se, depois de tantas promessas,
ainda por cima os jornalistas e torcedores estrangeiros forem recebidos para o
Mundial em grandes tendas porque nem os aeroportos estão prontos" questiona
Lapper.
"Não dá para culpar a imprensa pelas notícias ruins."
Um terceiro fator que contribuiria para a recente onda de notícias negativas
sobre o Brasil seria a frustração com o desempenho do país no campo econômico,
como destaca Marcos Troyjo, diretor do laboratório de estudos sobre os BRICs da
Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Desde que o Brasil foi escolhido para ser a sede do Mundial, em 2007, a
cobertura sobre o país foi do céu ao inferno, acompanhando, primeiro, o boom da
economia brasileira e, depois, o seu desaquecimento.
Na década passada, o país foi incluído por analistas no acrônimo Brics,
referente às potências emergentes que seriam o motor da economia global em
2040.
Em pouco tempo, ganhou a preferência dos investidores estrangeiros, os
holofotes da mídia internacional e, para completar, o direito de sediar a
Olimpíada e a Copa.
O termo "Brasilmania" passou a ser usado por analistas como Troyjo para
referir-se ao crescente interesse internacional pelo país, que atingiu seu auge
por volta de 2011, um ano depois do PIB crescer 7,5%.
O crescimento de 2,7% e 0,9% dos anos seguintes, porém, desinflou rapidamente
essa euforia.
A Economist, que em 2009 havia publicado uma famosa capa com o
Cristo Redentor alçando voo e a manchete "O Brasil decola", em 2013 estampou na
capa um Cristo despencando e a pergunta "O Brasil estragou tudo?".
Por fim, o quarto e último fator por trás da cobertura negativa estaria
ligado à deterioração do clima interno no país – que teria tido início com os
protestos de junho de 2013.
Richard Lapper lembra que, afinal, foram esses protestos que fizeram a
imprensa internacional olhar mais de perto para os problemas que afligem a
população brasileira.
"Até meados de 2013, os brasileiros pareciam estar satisfeitos com os rumos
do país", diz ele.
Hoje, segundo a Datafolha, 55% da população acha que a Copa trará mais
prejuízos que benefícios para o Brasil.
"A continuidade dos protestos e a recente queda de popularidade do Mundial e
do governo parecem ser a expressão de um sentimento geral de fadiga que acaba
sendo apreendido pelo noticiário internacional", acredita Lapper.
Longo Prazo
E qual impacto a cobertura internacional da Copa pode ter na imagem do país
no longo prazo?
O governo tem defendido que todo esse clima negativo se reverterá quando os
jogos começarem e o Brasil finalmente explodir em uma grande festa.
Também diz que o torneio ajudará a promover o país no exterior, contribuindo
para atrair turistas e investidores no longo prazo.
As opiniões dos analistas se dividem.
Para Anholt, não há garantias de que um evento esportivo desse tipo possa
melhorar a imagem externa de um país.
"Pode acontecer inclusive o contrário: a África do Sul, por exemplo, vinha
melhorando progressivamente sua posição em nosso ranking (da popularidade dos
países) depois do apartheid, mas a Copa de 2010 fez os sul-africanos
retrocederem esses avanços em dois anos", conta.
"Em muitos lugares não se tem ideia da real extensão do problema da
desigualdade no Brasil, por exemplo – e se ela for escancarada pela imprensa
internacional podemos ter um impacto negativo na imagem do país", acredita
Anholt.
Mais otimista, Anthony Pereira, diretor do programa de estudos brasileiros do
King's College London, acredita que a cobertura "excessivamente" pessimista às
vésperas do torneio pode fazer com que seja mais fácil para o Brasil chegar a um
resultado considerado razoável.
"Essa negatividade ajuda a reduzir as expectativas, de forma que se nenhum
incidente grave ocorrer, isso já será visto como um sucesso", diz ele.
Para Marcos Troyjo, da Universidade de Columbia, a possibilidade de que haja
um estrago significativo nas percepções de investidores estrangeiros sobre o
Brasil é pequena.
"A Copa realmente pode acabar mostrando que o país ainda tem enormes
deficiências na área de infraestrutura, por exemplo, mas às vezes tais carências
também são percebidas como oportunidades de negócios."
"Entre os altos e baixos da cobertura, acho que ao menos podemos dizer que as
pessoas tendem a estar um pouco mais informadas sobre o Brasil no exterior em
função dessa exposição", acredita Daniel Buarque.
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