terça-feira, 7 de maio de 2013

Conselho de Medicina discute atestar morte cerebral sem neurologista

O ESTADO DE S. PAULO - GERAL

O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem pronta uma proposta para mudar os critérios que definem a morte encefálica. O projeto mantém a necessidade de o laudo ser assinado por dois médicos, mas dispensa a exigência de que um deles seja neurologista, Se aprovado, bastará que dois profissionais de qualquer especialidade, sejam reconhecidamente capazes de fazer a declaração - e em um período menor de tempo. A medida ainda reduz o intervalo entre os testes de seis para uma hora.

A proposta, já apresentada à Casa Civil, pretende dar mais agilidade ao processo e, consequentemente, beneficiar o sistema de captação de órgãos para transplante, "Em grandes centros, a oferta é maior. Mas em cidades menores raros são os hospitais que têm neurologistas de plantão", afirma o diretor do Hospital do Rim e Hipertensão, José Osmar Medina.

A identificação da morte cerebral é o primeiro passo para que o paciente possa tornar-se doador de órgãos. Quando há concordância da família - após a confirmação da morte cerebral é iniciado todo o processo, com a notificação da central de captação. Sem o neurologista para atestá-la, mesmo que a família concorde, o processo não vai para frente.

A redução do tempo de espera entre a realização dos dois exames clínicos é igualmente importante para resguardar órgãos com potencial para transplante. Se os testes forem feitos mais rapidamente, a chance de o paciente sofrer uma parada cardíaca diminui. Mas a mudança no tempo só é indicada pelo CFM a pacientes adultos, que estejam em tratamento por pelo menos seis horas.

"O Brasil é exageradamente cauteloso para identificar a morte cerebral. A ideia é adotar um padrão igualmente seguro, mais moderno e mais ágil", afirma a médica intensivista Rosana Reis Nothen, integrante da equipe de especialistas convocada pelo CFM para fazer a revisão do protocolo.

Rosana avalia que as exigências atuais provocam uma lentidão desnecessária ao processo. "O paciente com morte cerebral não tem recuperação. Não há por que mantê-lo ocupando um leito de UTI, demandando tratamento de profissionais altamente especializados se nada vai fazer com que ele recupere a atividade cerebral", avalia.

Para a médica intensivista, essa demora acaba provocando problemas que transcendem a lista de espera de transplantes no Brasil. ""Vagas em UTIs são reduzidas, mesmo no sistema privado de saúde. Não faz sentido manter ali um paciente que já está morto"; afirma Rosana.

Apoio. A proposta tem o apoio de neurologistas ouvidos pela reportagem. Representantes da classe, porém, ressaltam a necessidade de se oferecer capacitação aos médicos que dividirão a função após a reforma na legislação. "O exame que é feito para detectar a morte também deve ser bastante estruturado.

Quem estiver treinado deve seguir todos os passos, mas poderá fazê-lo sem problemas", afirma Gisele Sampaio Silva, neurologista do Hospital Albert Einstein. Segundo Gisele, o médico terá a segurança ainda do exame complementar, que continuará obrigatório após os laudos clínicos. "No Brasil, não temos notícia de discordância entre os testes", diz.

Testes. A CFM ainda quer incorporar mais testes para comprovar a inatividade do cérebro. Além do eletroencefalograma, poderia m ser usadas tecnologias como arteriografias e Doppler transcraniano. Para Rosana, o protocolo brasileiro está pelo menos 15 anos atrasado. O CFM, em nota, informou que as regras ainda deverão ser debatidas no plenário do colegiado. Isso, no entanto, somente será feito depois que a regulamentação da lei de transplantes for alterada. "Sem uma mudança na norma, o médico poderia ser questionado na Justiça."

Para entender

O que é morte cerebral?

Morte cerebral - ou encefálica - é a definição legal de morte. É a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro. Ocorre como resultado de severa agressão ou ferimento grave no cérebro.

É possível confundir morte encefálica com coma?

Não. Paciente em coma pode respirar quando o ventilador é removido e/ou ter atividade cerebral. Quem tem morte encefálica não recupera funções. O diagnóstico é definitivo. Depois, a família pode optar por doar órgãos ou desligar o ventilador.

Morre menina que defendeu pai

A menina K.A.L., de 11 anos, baleada na cabeça ao tentar defender o pai numa briga em Goiânia, teve morte cerebral. Até as 20h de ontem, os aparelhos da UTI do Hospital de Urgências estavam ligados e a família decidiria sobre a doação de órgãos. O pizzaiolo George de Souza, de 24 anos, que está foragido, disparou contra ela. Câmeras flagraram o crime.

Lígia Formenti - Adriana Ferraz

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