segunda-feira, 2 de abril de 2012

Uma aula de Direito. Aplicabilidade da essência do Direito do Consumidor; sensibilidade impar. Sentença magistral do Dr. Fernando Antônio de Lima, Juiz de Direito do Juizado Especial Cível de Jales-SP


Processo Nº 297.01.2012.000538-2
Texto integral da Sentença
Proc. nº 205/2012 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO e PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA AUTORA: MIRIAM KELLY ALVES ANDRÉ REQUERIDA: LUIZACRED S.A. SOCIEDADE DE CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO VISTOS. Relatório dispensado, na forma da lei. Trata-se de ação de indenização por danos morais e de declaração de inexistência de débito, em que se percebe que a autora não tem nenhum débito com a requerida, mesmo assim o nome daquela foi inserido em órgãos de proteção ao crédito. Não bastasse comprovar a requerente a inserção alegada, ainda a ré não negou os fatos narrados, que são, por isso, tidos por verdadeiros. Como fixar, então, a indenização por danos morais? A requerida é uma enorme financeira, logo, dotada de enorme capacidade econômica. Como se sabe, não existe um parâmetro preciso para guiar a conduta do juiz. Daí por que o melhor é pautar-se pela razoabilidade, de sorte que a indenização não seja uma fonte de enriquecimento ilícito para a vítima, mas também não deixe de desempenhar a função inibidora de comportamentos ilícitos. Por isso, entende-se que a indenização, na hipótese, tem um caráter fundamentalmente compensatório, bem assim punitivo. Existem vários parâmetros que podem servir como auxílio nessa tarefa, como o grau de culpa dos envolvidos, a intensidade do dano, a situação econômica da vítima e do ofensor. A culpa, com efeito, foi grave, pelos motivos acima aludidos. É preciso considerar que a autora sofreu constrangimentos gravíssimos, porquanto, ao contratar, e ter impedido o crédito, estava grávida, o que acentua a ofensa a direitos da personalidade. Além da gravidade da culpa, temos o fato de a requerida ser detentora de elevadíssimo capital econômico. E aqui vão algumas pequenas considerações. Como temos tratado, nós juízes, os consumidores brasileiros? Comecei a ler um livrinho impressionante. De cem pequeníssimas páginas. Vale mais, em conteúdo, do que todos os livros que li em toda a minha faculdade de direito, em toda a minha preparação para o ingresso na magistratura. Chama-se O que é Direito, do Roberto Lyra Filho, editora Braziliense. Paguei apenas R$19,00, quando os livros tradicionais não saem por menos de R$120,00. Estes repetem, mas não dizem, dizem, mas não falam, falam, mas não pronunciam. Aquele, bom... Aquele... Uma aula do que é Direito. Pouquíssimas e pequeninas páginas, para dizer tudo, quando muitos, com variadas e enormes páginas, não conseguem dizer nada. Direito, diz Roberto Lyra Filho, não compreende apenas a legalidade. Direito e lei são palavras enganosamente diferentes. Não parece. Há quem diga que Direito é lei, e que lei é Direito. Em inglês, law indica as duas coisas. Outras línguas, porém, desfazem a confusão, ou seja, Direito e lei são fenômenos distintos. Jus e lex (latim); Derecho e ley (espanhol); Diritto e legge (italiano); Droit e loi (francês), Recht e Gsetz (alemão), Pravo e zakon (russo), Jog e törveny (húngaro). Mesmo autores ingleses e norte americanos falam em Right, quando querem referir-se ao Direito, e não à lei. Isso porque, justifica Lyra, lei emana do Estado. E o Estado, muitas vezes, age, para resguardar interesses dos proprietários dos meios de produção. Dos grandes conglomerados econômicos. De grandes bancos. A lei, o produto da atuação estatal, nem sempre coincide com o Direito, pois este é algo reto e justo. Isso pode acontecer tanto em países capitalistas, como em socialistas. Daí que o Direito não pode comportar-se nos limites estreitos e isolados dos “campos de concentração legislativa”. O Direito, mais do que tudo, “indica os princípios e normas libertadores, considerando a lei um simples acidente no processo jurídico e que pode, ou não, transportar as melhores conquistas”. Isso tudo vai depender do Estado em que surge a lei. Se um Estado autoritário, antidemocrático, seguramente a lei será um anti-Direito. Daí que uma concepção verdadeira do Direito faz separar lei e legitimidade. A pura legalidade pode distanciar-se do justo, do legítimo, ou, em alguns casos, aproximar-se. Direito, portanto, não é algo morto, castrado e embalsamado, não é o “necrotério de uma pseudociência, que os juristas conservadores, não à toa, chamam de ‘dogmática’ ”. Nesse sentido, o Direito não é algo acabado. É uma constante reinvenção de si mesmo, um praticar mergulhado no processo histórico, em que pululam contradições entre classes sociais, relações de poder e sufocamento e opressão. Para ser justo, o Direito, mormente em sociedades socialmente desequilibradas, como a nossa, tem de visar à transformação. Não é possível conceber, assim, um Direito idealizado, abstrato, distante dos acontecimentos humanos. Um Direito fechado num campo metafísico, pregado por filósofos e praticado por juristas, alienados dos acontecimentos sociais. Em Jales-SP, com as minhas inúmeras limitações, tenho tentado, com a ajuda incansável dos Serenos e Competentes Servidores do Juizado Especial e do Colégio Recursal, praticar um Direito voltado à realidade social e histórica de meu País. Um Direito que não deponha contra o direito dos miseráveis. Um Direito em prol da classe trabalhadora. Um Direito em favor dos consumidores. Um Direito contrário à grande acumulação de riquezas, quando a acumulação de riquezas é feita a despeito dos esforços e do trabalho do meu povo. E o Judiciário deve ser forte, como forte devem ser todas as demais instituições brasileiras. O momento mundial, que explodiu em 2008, é o de graves crises econômicas. Pessoas inescrupulosas, reunidas nas grandes bolsas de valores e movimentando bilhões, especulam com o dinheiro fruto do trabalho de bilhões de pessoas. Quebram países. Detonam desemprego em massa. Enriquecem em poucos minutos, com um simples apertar de botão, quando riquezas vão e vêm, quando armas explodem em países pobres, como o Afeganistão, o Iraque, quando punidos são chefes de Estado de “paisecos”, e impunes figuram os chefes estatais de Estados ricos, que conduzem aviões supersônicos, que despejam bombas nas cabeças de miseráveis – os miseráveis de pouca roupa, de pouca comida, muitas vezes de pouca idade, pois se sabe o tanto de pequeninos – fala-se em 100 mil – muitos com 2 aninhos – cujos corpos foram destroçados, pelas forças de velozes e violentos explosivos lançados por aviões supersônicos de países ricos. E se há todo esse aparato de guerra contra os países pobres, há todo um aparato financeiro, de grandes bancos, para detonar as riquezas dos pobres e subdesenvolvidos países do 3º mundo. Daí, voltando-se ao “O que é Direito”, do Roberto Lyra Filho: o Direito deve ser visto segundo o processo histórico em que está inserido. Senão, torna-se abstrato. De abstrato, amorfo. De amorfo, insensível. De insensível, injusto. E, se é injusto, o Direito deixa de ser Direito, para se transformar em anti-Direito. Por isso, depois de ingressar nesse terreno da Filosofia do Direito e da Sociologia Jurídica – que, ao contrário do que muitos dizem, deve, sim, fazer parte das sentenças judiciais - concluímos o seguinte: o Direito está imerso numa realidade histórica e social. Não é abstrato. E qual a realidade social do País, quanto aos lucros das instituições financeiras? É de lucros elevadíssimos. Pensemos juntos: as indenizações por danos morais devem implicar uma compensação à vítima. Mas também, e principalmente, uma forma de evitar que novas condutas ilícitas se repitam. Assim, considerando-se o elevado capital econômico do Bradesco, entende-se que a indenização por danos morais deve implicar R$20.000,00. No mínimo. Entender assim não é promover o enriquecimento ilícito do consumidor. Mas ser ameno com o interesse dos grandes bancos, em descompasso com a Constituição, para quem a República farta-se no princípio da dignidade humana e visa à redução das desigualdades sociais e superação da miséria, objetiva vivermos numa sociedade livre, justa e solidária. Por sua vez, há que se conceder a tutela antecipada, para que a requerida retire, imediatamente, o nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito. Posto isso, JULGA-SE PROCEDENTE o pedido, de tal forma que se condena, a requerida, a pagar, à autora, a título de indenização por danos morais, o valor de R$20.000,00, atualizado monetariamente a partir desta sentença, com juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, bem assim para que retire, o nome da requerente, dos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 e, por fim, declara-se inexigível o débito de R$728,42. Concede-se a tutela antecipada, para que a requerida retire imediatamente o nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa diária de R$1.000,00 Sem condenação em custas e despesas, bem assim em honorários advocatícios – incabíveis nas sentenças proferidas nos Juizados Especiais Cíveis. R. I. Jales-SP, 19 de março de 2.012. Fernando Antônio de Lima Juiz de Direito

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